terça-feira, 11 de abril de 2017

A expulsão de Marcos do BBB e as Emillys da vida real, por Matê da Luz

por Matê da Luz
Não, eu não acompanho o BBB. Não tenho nem TV em casa, para informação daqueles que (quase que certamente) virão aqui comentar sobre a relevância deste post. Mas sim, ele tem importância. 
Os fatos, resumidamente, são estes: um dos participantes do BBB, Marcos, grita, empunha dedo, coloca contra a parede literalmente, culpa a namorada pelo seu desequilíbrio emocional. A namorada, mesmo com cara de assustada, tenta contornar as inúmeras situações. A direção do programa, amparada por uma delegada e, numa semana já de escândalos acerca do machismo, o expulsa do programa. 
A namorada, então, a Emilly no caso, fica surpresa com o contexto, que passara desapercebido por ela como abuso. Duas outras integrantes do programa a consolam e explicam que aquilo é violência sim. 
Aqui do lado de fora, a expulsão é celebrada como, finalmente, uma atitude correta a ser tomada na corrida pela defesa da mulher. Há alguns anos, Dado Dolabella, que agrediu Luana Piovanni e sobre quem a modelo mantém um dossiê e afastamento físico judicial contra, ganhou o realityshow A Fazenda, com um prêmio de 2 milhões de reais, votado pelo público. Então, vamos lá, bem didático: é importante sim este tipo de manifestação da maior emissora de TV do País, uma vez que tanto o público quando a própria envolvida no caso, a Emilly, não conseguem discernir o que pode do que não pode numa briga de casal. 
"Mas como assim, não sabe discernir?". Um público que vota num agressor de mulheres não está consciente do entorno machista, simples assim. Bem como a namorada que não enxerga que está sendo agredida, ainda que psicologicamente. Isso acontece porque vivemos inseridos num contexto tão profundamente machista que não temos parâmetros suficientes para sentir ou enxergar determinadas atitudes como fora da curva da normalidade. "Ah, mas bater em mulher sempre foi crime, taí a Lei Maria da Penha" - sim, mas o bater, em si, é, por fim, apenas um dos desfechos para o qual o caminho machista conduz. 
Via de regra, o agressor inicia o processo com agressões psicológicas, esfarelando qualquer faísca de auto-estima que a mulher possua. O afastamento de pessoas queridas também é um quadro bastante comum, bem como a desclassificação sobre a saúde mental da mulher: ela é louca, ela está na TPM, ela está desequilibrada por isso ou aquilo. Então, o ciclo do abuso tem início, podendo ou não culminar na agressão física. Falando assim, pode parecer uma coisa simples de ser observada e gerar questionamentos sobre o porquê a mulher não sai do ciclo. Porque, oras, vivendo submersa no machismo, em algum momento a pessoa começa a acreditar que faz parte daquele cenário e, portanto, que a culpa é dela. Enfraquecida, tenta dominar a situação, se expondo mais e mais e, então, entrando no looping da violência. Para que o agressor exista, tem que existir a vítima. 
Esta vítima é formada, dedicada a se comportar como mulher desde que nasce. "Vai dar trabalho pro pai", por exemplo, tem uma conotação tão absurda que me causa arrepios, classificando a menina bonita, vez ou outra ainda bebê, como objeto de satisfação pra outro macho. Dentre tantos outros contextos, as mulheres, especialmente as mais velhas, crescem sob a demanda da satisfação masculina e, dentre tantos outros fatores, como a dependência financeira, emocional, a estruturação da família (ainda cobrada de nós em pleno 2017 como imprescindível), se insere como participante ativa e insconsciente dos que está acontecendo ali. 
Emilly nos representa quando não consegue enxergar as atitudes do namorado como agressivas porque são semi-infinitos os relatos de outras mulheres que já foram prensadas contra a parede e que, assistindo às cenas do BBB, tiveram na expulsão de Marcos sua resignação pública, como se a punição na TV mostrasse ao mundo que aquilo está errado. Mesmo que nossas histórias individuais de abuso não possam ser revistas e ampliadas para o âmbito nacional, encontrar amostras de que as coisas caminham para uma mudança é motivo de celebração. 
O feminismo, como estamos gritando pro mundo ouvir, não deseja que as mulheres sejam iguais aos homens (viu, dona Juliana Paes?), mas batalha também para que exista uma mudança na cultura como um todo, no geral, no íntimo, no ponto a ponto - naquilo que se transforma em referencial para que a gente saiba reconhecer o abuso, a agressão, a intimação, a minimização, ainda no início do ciclo - e para que tenhamos ferramentes disponíveis, também referencialmente, para nos livrarmos deste papel o quanto antes. 
As atitudes da emissora nesta semana vem mostrando ao mundo, literalmente, que o machismo começa a desmoronar, ainda que em passos lentos, dando espaço para a condenação do que é, naturalmente, errado. 
Fonte: GGN

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