A bancada do PT alertou o Senado do risco de que o novo marco legal do saneamento básico no Brasil dificulte o acesso universal da população aos serviços de tratamento de água e esgoto. Ainda assim, o plenário da casa aprovou, por 65 votos contra 13, o Projeto de Lei 4162/2019. Os seis senadores do PT votaram contra o projeto que fortalece o viés de privatização dos serviços, indo na direção contrária ao interesse público.
“Querem acabar com as empresas públicas de tratamento de água e esgoto no Brasil. Privatizar não é solução. Água é um direito da população, não é mercadoria”, advertiu o senador Jean Paul Prates (PT-RN). O PL 4162 veio da Câmara dos Deputados e recebeu, no Senado, mais de 80 emendas, mas nenhuma delas foi acatada por seu relator, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Apenas o Partido dos Trabalhadores orientou o voto contrário ao projeto. As demais legendas liberaram as bancadas.
Diante da importância do tema, o senador Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado, apresentou questão de ordem logo após a leitura do relatório, e defendeu que matéria tão importante para a saúde da população deveria ser melhor debatida, inclusive à luz do Brasil que surgirá após a pandemia da Covid-19. A votação registrou 61 votos contra a questão de ordem.
“Sou a favor de um marco regulatório do saneamento, e não me oponho ao investimento privado na área, que é, inclusive, já utilizado. Mas a nossa avaliação é de que este debate deveria ocorrer mais à frente, no pós-pandemia, quando se apresentaria o cenário claro de que marco regulatório nós vamos precisar para garantir que teremos a universalização do saneamento básico”, alertou o senador.
Jean Paul Prates reforçou que aprovar o projeto, neste momento, é precipitado. “A proposta não é uma prioridade diante da pandemia do coronavírus que assola nossos estados e municípios. É uma proposta que precisava de um amplo debate com a sociedade e o parlamento, principalmente na Comissão de Meio Ambiente e na Comissão de Infraestrutura”, afirmou o senador.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também alertou que o marco regulatório de saneamento básico não vai facilitar o acesso universal aos serviços de água e esgoto. “A lógica de privataria do PSDB permanece a mesma: entrega o filé à iniciativa privada e deixa o osso para o Estado roer à custa dos cofres públicos”, criticou. “Estamos, por tabela, privatizando nossas águas e deixando um enorme esgoto aberto na infraestrutura do país”.
Ataque às empresas públicas
A nova lei permite abrir caminho para o domínio de empresas privadas no setor de saneamento e abastecimento de água. A obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas.
Atualmente os municípios e o Distrito Federal podem realizar a prestação do serviço de três formas: 1) a direta, quando os próprios entes públicos podem executar as atividades; 2) a indireta, usando contratos de concessão realizados por licitação; e 3) por gestão associada a consórcios públicos, por meio de um contrato de programa.
Mas o PL 4165 retira a autonomia dos municípios e do Distrito Federal para escolher o modelo de prestação utilizado nos serviços, e acaba com a possibilidade de gestão associada do estado com os municípios, via contrato de programa.
Além disso, o texto aprovado estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos seus serviços, em um claro estímulo à privatização do setor.
Entre os principais problemas das empresas privadas assumirem estas funções estão a fragilidade em atingir metas de universalização do serviço, problemas com transparência e a dificuldade de monitoramento da prestação do serviço pelo setor público.
O PL 4162 veio da Câmara dos Deputados e recebeu, no Senado, mais de oitenta emendas, mas nenhuma delas foi acatada por seu relator, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). O senador Humberto Costa (PT-PE) chama a atenção para esta rejeição.
“Metade da população brasileira está fora da rede regular de água e esgoto. Mas o projeto, cujo relator rejeitou 85 emendas de 22 senadores, não só não resolve o problema como pode agravá-lo. Impõe discriminação aos municípios menores e age contra a universalização do sistema”, declarou em suas redes sociais.
Lei de 2007 garantia universalização
O atual marco legal do saneamento básico traz diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas. A lei de 2007 estabelece funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação dos serviços, que devem ser usados com normas e padrões.
Com a nova lei, que irá a sanção presidencial, umas das mudanças mais significativas é a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos. Passa a ser obrigatória a abertura de licitação, o que implementa a competição do acesso aos contratos e a inserção massiva de empresas privadas, em detrimento das empresas estatais nos estados, que atendem 70% da população.
“O PT acredita que é o investimento público, associado ao investimento privado, que pode fazer a mudança, a transformação para garantir saneamento para toda a população”, disse o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, ao declarar o voto da bancada. “E o novo projeto não assegura e não preserva o patrimônio das empresas estatais de saneamento”, complementou o líder, ao votar contra a proposta.
Já o senador Jaques Wagner (PT-BA) alerta para o que está por vir. “Eu me solidarizo com a boa fé dos senadores e senadoras que votaram a favor do marco do saneamento. A história mostrará que foram iludidos. Sem investimento público, não haverá água e saneamento para os mais pobres, como nós provamos nos governos do PT na Bahia e no Brasil”, registrou nas redes sociais.
Experiências internacionais negativas
Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, 1.600 municípios de 58 países tiveram que reestatizar serviços públicos. Foram ao menos 835 remunicipalizações e 49 nacionalizações, sendo que mais de 80% ocorreram de 2009 em diante.
Na maioria dos casos, a reestatização foi uma resposta às falsas promessas dos operadores privados; à colocação do interesse do lucro por sobre o interesse das comunidades; ao não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos e expansão e universalização, principalmente das áreas periféricas e mais carentes; aos aumentos abusivos de tarifas.
O estudo detalha experiências de diversas cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas, mas decidiram voltar atrás – uma longa lista que inclui lugares como Atlanta, Berlim, Paris, Budapeste, Buenos Aires e La Paz.
Do PT no Senado
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