Em maio, durante uma missa na Casa Santa Marta, o papa Francisco dedicou a sua homilia ao tema “unidade”, com reflexões nitidamente endereçadas ao Brasil. Após falar sobre as perseguições sofridas pelo apóstolo Paulo, observou que muitas vezes “criam-se condições obscuras” para condenar uma pessoa.
O método utilizado contra Jesus, Paulo, Estevão e outros mártires, emenda, é usado ainda hoje. Como exemplo, o papa fez alusão às mentiras que precedem as rupturas democráticas. “A mídia começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes, e com a calúnia e a difamação essas pessoas ficam manchadas... Depois (a justiça) as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”.
Agora, ao receber em sua residência oficial Celso Amorim, ex-chanceler de Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma Rousseff, o pontífice repetiu trechos do discurso, exatamente no momento em que se inteirava sobre a situação do ex-presidente, preso desde 7 de abril.
“O papa nos ouviu com grande interesse e preocupação. Demonstrou estar bem informado do que ocorre no Brasil e fez menções muito elogiosas a Dilma Rousseff, por ele definida como honesta”, relata Amorim.
O diplomata relatou com exclusividade à CartaCapital como se deu o encontro, ocorrido na manhã da quinta-feira 2, por iniciativa de Carlos Ominami, senador e ex-ministro da Economia do Chile – o mesmo que convenceu a ex-presidente chilena Michelle Bachelet a defender a candidatura de Lula e exigir respeito às urnas.
Após conversar com Amorim, o parlamentar acionou o amigo argentino Alberto Fernández, chefe de gabinete dos governos de Néstor e Cristina Kirchner, que se encarregou de solicitar uma audiência com Francisco. “Fernández tem excelentes relações com o papa, que nos respondeu em menos de 12 horas. É curioso, porque Francisco já receberia, no dia seguinte ao nosso encontro, um grupo de brasileiros, entre eles a mãe da vereadora Marielle Franco (assassinada no Rio de Janeiro). Optou por falar conosco antes, por entender a dimensão política do que está acontecendo com o ex-presidente Lula e com o Brasil”, conta.
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Durante a reunião de uma hora em uma sala austera e simples, o pontífice mais ouviu do que falou. Idealizador do Comitê Internacional de Solidariedade a Lula e Defesa da Democracia, Amorim explicou como se dá a “perseguição judicial” contra o ex-presidente, enquanto os colegas argentino e chileno acrescentavam que o método tem sido usado com regularidade para desestabilizar governos populares da América Latina e manchar a reputação de lideranças da esquerda.
Apesar da gravidade da situação, o encontro também teve momentos de descontração. Amorim presenteou Francisco com um de seus livros sobre política externa, e fez questão de ler uma curiosa nota escrita há 13 anos. “Sempre fui acusado de ser excessivamente simpático com os argentinos, a ponto de a revista Veja dizer que só faltava eu dizer que Maradona é melhor do que Pelé. Achava importante incentivar a autoestima dos nossos vizinhos, mas essa passagem em particular dizia que isso talvez só ocorresse quando tivéssemos um papa argentino. Imagina a coincidência. Disse isso em 2005”, conta, aos risos.
Ao término da conversa, Francisco enviou uma saudação a Lula, manuscrita nas primeiras páginas de A verdade vencerá, livro-entrevista do ex-presidente, recém-traduzido para o italiano. ”É uma mensagem espiritual, uma bênção, não tem conteúdo político. Quero entregar ao presidente Lula o mais rápido possível”.
Na avaliação do ex-chanceler, o encontro com o papa é mais um indicativo de que, aos poucos, a comunidade internacional se dá conta de que o Brasil sofreu um golpe de Estado e o processo contra Lula visa unicamente excluí-lo das eleições. “Francisco não precisava nos receber. Ao fazê-lo, poderia ficar calado o tempo todo. Em vez disso, fez questão de dizer que acompanhava o caso com bastante interesse e preocupação”, afirma Amorim.
E cita ainda a iniciativa de um grupo de 29 congressistas americanos, entre eles o senador Bernie Sanders, pré-candidato à presidência dos EUA em 2016, que enviou ao governo brasileiro uma carta na qual denuncia a prisão política de Lula, com base em “acusações não comprovadas” em um julgamento “altamente questionável”.
Não é a primeira vez que Francisco demonstra interesse de acompanhar a situação de Lula. Em junho, o advogado argentino Juan Gabrois, que atuou como consultor do Pontifício Conselho “Justiça e Paz” e atualmente coordena o encontro mundial dos movimentos sociais em diálogo com o papa, tentou visitar o ex-presidente. Pretendia levar um terço abençoado pelo papa, mas acabou barrado na porta na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. “Estamos de frente a um claro caso de perseguição política”, afirmou na ocasião, inconformado com o veto.
À época, agências de checagem, como “Lupa” e “Aos Fatos”, apressaram-se a classificar a notícia veiculada em numerosos sites como falsa, com base em uma nota do Vatican News, mantido pela Santa Sé, a desmentir a informação de que o rosário fora realmente enviado pelo papa. Pouco depois, o próprio Vatican News retratou-se.
Segundo o texto corrigido, Gabrois foi impedido de ver Lula, “a quem queria levar um terço abençoado pelo Papa, as palavras do Santo Padre e as suas reflexões com os movimentos sociais e discutir assuntos espirituais com o ex-chefe de Estado”.
Fonte: Carta Capital
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