Nos 28 meses seguintes ao golpe parlamentar contra a presidenta eleita Dilma Rousseff (PT), foram canceladas 470.828 aposentadorias concedidas em caráter permanente, por conta da invalidez, a trabalhadores assalariados e pessoas de baixa renda.
O período computado, entre setembro de 2016 e dezembro de 2018, contempla o governo Michel Temer (MDB) e o período de transição para o governo Jair Bolsonaro (PSL).
A operação de convocação, reavaliação pericial e corte dos pagamentos é chamada de "pente-fino", e os médicos peritos do INSS recebem R$ 60, como bônus, por exame feito.
As "vítimas do pente-fino" criaram um grupo para se comunicar pelo aplicativo Whatsapp, mas se desestimularam e abriram mão da ideia em fevereiro de 2019, após verificarem o alto índice de suicídios entre os membros do grupo.
"Nem dez minutos"
O bancário Milton* sofreu um acidente em 1994 e passou seis anos em tratamento médico. Em 2000, foi aposentado por invalidez por conta de lesões no pé e na perna esquerda e no punho e na mão direita. Ele seguiu fazendo tratamento e cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante 18 anos, mas não conseguiu reverter a situação de invalidez para o trabalho.
Em abril de 2018, o bancário recebeu a carta do pente-fino com um prazo de cinco dias para agendar uma perícia no INSS. Milton foi examinado um mês depois e não teve tempo para marcar consultas no SUS e, assim, comprovar sua condição de saúde ao perito.
“Ele [perito] pediu um documento sobre o que eu tinha, fez um exame visual muito rápido, pediu os documentos e me dispensou. Muito rápido mesmo. Não chega nem a dez minutos o exame”, afirma o bancário. O resultado foi o cancelamento da aposentadoria.
O corte do pagamento é feito em três estágios de seis meses. No primeiro, o segurado recebe 100% da aposentadoria, mas é informado sobre o cancelamento; no segundo, recebe 50% e, no terceiro, 25%.
Das aposentadorias por invalidez canceladas, 65,7% (309 mil) foram de benefícios concedidos a trabalhadores que estavam no regime de CLT quando foi comprovada a invalidez. Outros 144 mil, ou 30,7% do total, foram aposentadorias por invalidez vinculadas à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), concedidas a pessoas com deficiência permanente e cuja renda per capita familiar é inferior a um quarto do salário mínimo.
“Eles estão prejudicando um grande número de pessoas que necessitam do benefício para sua sobrevivência. Uma pessoa com incapacidade de trabalho, total ou parcial, não vai voltar para o mercado de trabalho 'nem a pau'. Vai ser mais um desempregado ou morador de rua”, lamenta José Veiga de Oliveira, presidente da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo (Fapesp).
Outras 16.635 aposentadorias por invalidez cortadas nos últimos 28 meses foram do programa de Renda Mensal Vitalícia, que era concedido até 1996 para pessoas de baixa renda e com deficiência incapacitante para o trabalho. Nesse caso, parte dos benefícios pode ter sido cancelada porque o segurado faleceu.
Procurada pelo Brasil de Fato, a equipe econômica do governo não esclareceu os objetivos do pente-fino nem os critérios dos cortes de benefícios de quem já estava aposentado por invalidez.
A assessoria do Ministério da Cidadania, responsável pelos balanços da operação, não quis comentar as condições em que são feitos os exames, mas encaminhou dados sobre o tema.
Segundo a pasta, até 31 de dezembro de 2018, foram realizadas 1,2 milhão de perícias (472.313 de auxílios-doença e 712.756 de aposentados por invalidez). Entre os benefícios analisados, 369.637 auxílios-doença e 208.953 aposentadorias foram cessadas. Outros 73.722 (45.726 de auxílios-doença e 27.996 de aposentadorias por invalidez) foram cancelados por não comparecimento, e 74.798 (36.953 auxílios-doença e 37.845 aposentadorias por invalidez) foram cessados por óbitos e decisões judiciais.
* Nome fictício. Milton pediu para não ser identificado para evitar retaliações.
Edição: Daniel Giovanaz
Fonte: Brasil de Fato
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