Por quase 10 anos, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), usou 80 notas fiscais de uma empresa de consultoria tributária para receber da Câmara R$ 317 mil em verbas de gabinete.
Dos 80 cupons, 29 foram emitidos em sequência pela Office RS Consultoria Sociedade Simples, indicando que o então deputado foi o único cliente da empresa por meses a fio.
A firma pertence a Cesar Augusto Ferrão Marques, técnico em contabilidade filiado ao DEM há 24 anos e que trabalha nas campanhas eleitorais do parlamentar.
Marques também faz a contabilidade do partido no Estado — recebeu R$ 175 mil em 2017 por meio de uma empresa que atua sem registro no Conselho Regional de Contabilidade.
À GaúchaZH, tanto Onyx quanto Cesar Marques negaram irregularidades (leia as declarações ao final do texto).
Onyx diz que Marques presta consultoria na área tributária para seu gabinete.
Sobre notas em sequência ou apresentação de cupons de empresas diferentes, afirma que a explicação deveria ser dada pelo técnico em contabilidade.
— Notas em sequência, mês a mês ou mesmo espaçadas, dão a entender que a empresa não tem outros clientes, e esse é um indício forte de irregularidade. A Câmara não faz pente-fino, aceita todos os documentos como legítimos. Além disso, os deputados têm à disposição consultores concursados, alguns dos mais qualificados do país, que estão ali para ajudar a apresentar projetos — diz o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Nas notas, o serviço é descrito como “acompanhamento do OGU (orçamento geral da União) e avaliação financeira tributária visando a elaboração de emendas e projetos na área tributária”.
A caligrafia semelhante sugere que a mesma pessoa redigiu quase todas, inclusive com os mesmos erros de ortografia — em 14 documentos, projetos está escrito como “progetos” e, em nove, área é “ária”.
Nesses 10 anos, o deputado apresentou dois projetos na área tributária, entre 1.053 proposições de sua autoria.
A título de comparação, no atual mandato, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma tributária, apresentou três notas fiscais de consultoria, somando R$ 27 mil.
Onyx usou 24 notas, no valor total de R$ 96 mil.
O dinheiro usado por Onyx faz parte do cotão, verba de gabinete no valor de R$ 40.875,90, livre de impostos, que cada deputado gaúcho tem à disposição para gastar na atividade parlamentar — os valores variam por Estado.
Para receber, basta apresentar nota fiscal.
Segundo a Câmara, o parlamentar não precisa justificar a finalidade do contrato.
A Office também tem problemas de operação.
Está inapta perante a Receita Federal por ter omitido créditos ao fisco e tem R$ 117,5 mil de dívidas tributárias — R$ 113,1 mil com a União e R$ 4,4 mil com a prefeitura de Porto Alegre.
Não recolheu imposto entre janeiro de 2013 e agosto de 2018, embora tenha emitido no período 41 notas a Onyx.
Desde que a Office foi aberta, os registros na Receita e na prefeitura indicam como sede uma sala na Rua Vicente da Fontoura, bairro Petrópolis.
A reportagem esteve no local e não encontrou a empresa, que funciona na Avenida Taquara, também no bairro Petrópolis, mesmo local onde opera — sem alvará — a Cesar A.F Marques.
As relações da Office com Onyx
O dinheiro recebido por Onyx a partir das notas da Office é ressarcimento da verba de gabinete no valor de R$ 40.875,90 que cada deputado gaúcho pode gastar na atividade parlamentar.
De junho de 2009 a agosto de 2018, a Office RS emitiu 80 notas fiscais de assessoria tributária para o então deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Somam R$ 317 mil, sacados da verba de gabinete do deputado.
De janeiro de 2017 a agosto de 2018, foram 14 notas em sequência, à exceção de uma.
O mesmo se repete de novembro de 2015 a maio de 2016 e de julho a outubro de 2016.
Em 2 de janeiro de 2017 foi emitida a nota 401. Somente em 30 de agosto, a 402.
A 403 é de setembro, a 404, de outubro e a 405, de dezembro.
A 407 foi apresentada em janeiro de 2018, e as demais mês a mês, obedecendo à ordem até a 414, em agosto de 2018. Todas com o valor de R$ 4 mil.
O que diz Onyx Lorenzoni
“Conheço Cesar Marques desde 1992. Durante algum período ele fez consultoria, acompanhando o orçamento da União, deu orientações, inclusive há alguns projetos com base no trabalho dele. Lembro da proposta de isenção de IPI para bicicleta, um trabalho detalhado sobre Refis bancário para pessoa física e sobre CPMF. Sempre nos ajudou a pensar em ações do mandato. Tem e-mail, algum texto, às vezes era aconselhamento.
Agora, essa coisa da numeração das notas, isso é problema dele, da empresa dele. Não me cabe, não sei se era o único cliente dele. Também não sei dizer por que alguns serviços ele prestava pela Office, outros pela Cesar A.F. Marques. Suponho que seja questão tributária, mas essa pergunta tem de fazer para ele. Mas ele sempre foi diligente, tanto que está conosco há anos. Tu teres uma pessoa que cumpre a lei é algo positivo.
A prestação de contas da campanha saiu mais cara porque ele deu consultoria para vários candidatos do Interior, não foi só a minha candidatura. Agora, não sabia que não havia esse registro no Conselho de Contabilidade, nem que isso tinha essa relevância, até porque as contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Mas não sei disso. Pode ter esse problema, mas é alguém que me acompanha desde 1992, não achei ontem.”
O que diz Cesar A. F. Marques
Afirma que presta serviços para Onyx Lorenzoni há cerca de 30 anos — consultoria na área tributária para elaboração de projetos de lei. Garante que o parlamentar não é seu único cliente, embora a clientela da Office RS seja reduzida.
Questionado sobre a sucessão de notas em série emitidas ao deputado, primeiro negou, depois disse tratar-se de estratégia empresarial.
— É uma questão tributária. A parte de consultoria, atendo pela Office, que não está no Simples, pois nessa tenho poucos clientes. A Cesar A.F Marques está no Simples, então atendo todos outros clientes.
Marques diz que o DEM-RS é seu maior cliente e que é o único para o qual entrega notas fiscais, daí a emissão em série:
— Para outros serviços, faço por cobrança bancária. Aí, não emito nota.
Conforme o Conselho Regional de Contabilidade (CRC), isso não deveria ocorrer.
— A empresa deve emitir nota fiscal sempre que presta serviço — diz o chefe de fiscalização do CRC no Estado, José Calleari.
Marques afirmou desconhecer que a empresa Cesar A.F Marques atue irregularmente por não estar registrada no CRC.
— Eu, pessoa física, tenho registro no CRC. Como a minha empresa é individual, disseram que não precisava. Vou ter de ver isso.
Fonte: Viomundo
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