“Assisti a ‘Central do Brasil’ e vi a Fernanda Montenegro tentando ajudar aquele menino nervoso, rebelde. Lembrei do Ciro. Ela convenceu o menino, levou o menino à família e depois foi embora. Gostaria que o Ciro permitisse que eu fosse a Fernanda Montenegro dele”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última quarta (16), a sede da Polícia Federal, em Curitiba.
Em entrevista para o UOL, Lula falou de sua relação com Ciro Gomes e com outros nomes da esquerda, como Marta Suplicy, a quem fez um convite.
“Se a Marta quiser, deve voltar [ao PT], ela tem relação com todo mundo e ainda continua sendo a prefeita mais bem avaliada de São Paulo”, afirmou.
Preso há mais de um ano, por condenação no caso do tríplex no Guarujá (SP), Lula também falou da possibilidade de ser solto como resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância. Sua opinião sobre esse assunto está na primeira parte da entrevista, publicada ontem.
No trecho publicado hoje, disponível em vídeo e em podcast, Lula ri ao ser perguntado se aceitaria ser candidato à vice-presidência da República, em 2022. E respondeu que aceita “ser cabo eleitoral, a depender das circunstâncias políticas”.
O ex-presidente também defendeu que “o PT tem que ter candidato em todas as cidades importantes”.
Leia trechos selecionados da entrevista. A íntegra está disponível, em vídeo, no canal do UOL no Youtube.
O que o senhor acha que o seu partido deve fazer para reconquistar ex-eleitores do PT que migraram para o antipetismo?
Tenho a sorte de ser corintiano. Tenho a sorte porque convivi com o anticorintianismo todos os dias. Não se torce pelo São Paulo, as pessoas torcem contra o Corinthians. E assim vale para o Flamengo, no Rio. Estou acostumado com isso. O PT é o maior partido político de esquerda da América Latina e o mais importante partido político existente no Brasil. Isso não é garganta do Lula, é fato histórico. Estou falando de todas as eleições presidenciais no Brasil até agora.
Quando você tem um país com eleições em dois turnos, não tem esse negócio de antipetismo. Você tem as pessoas que vão votar em outro partido e que não votam no PT, como você tem as pessoas que votam no PT, mas não votam em outro partido político —a depender do momento, a depender da conjuntura, dependendo da circunstância. O PT pode voltar a governar este país em 2022.
Não vejo qual é a ideia de tentar criar o conceito de antipetista. Não existe antipetista, antipeessedebista. Eu lembro que quando o derrotamos, em São Paulo, nós achávamos que o Maluf tinha acabado para a política, que nunca mais iria voltar. E você se lembra quantas eleições o Maluf foi para o segundo turno, em primeiro lugar? (…) Muita gente que não votaria no PT, pode votar. Depende da importância. Depende do programa. Depende da candidatura. Depende do adversário.
Não depende também de o PT dialogar e mudar um pouco? Atrair essas pessoas?
Mas quem é que mais conversa do que a gente? Vocês estão lembrados que meu vice-presidente da República era um grande empresário deste país. Vocês estão lembrados que montei um governo que grande parte do ministério não era PT? O que não pode é participar de uma reunião como aquela que houve no Tuca [teatro da PUC em São Paulo] e [dizer] o seguinte: “Vamos passar um mata borrão? Não houve golpe na Dilma, não houve fim do direito trabalhista. Não houve fim disso, não houve fim daquilo e vamos todo mundo lutar pelo direito”.
Lula se refere ao ato de lançamento do “Direitos Já”, que reuniu lideranças políticas da esquerda à centro-direita no teatro da PUC-SP, no último 2 de setembro.
Eu falei para Gleisi: “Você deve ir e o primeiro direito que você deve reivindicar é [o de ver] se os canalhas que votaram no impeachment da Dilma estão dispostos a rever o seu voto”. Porque a Dilma foi cassada com base numa mentira.
O vice-presidente da ex-presidente Dilma foi Michel Temer. Os acordos firmados durante os governos do PT não são vistos como negativos ou reprováveis por parte da população?
Se uma pessoa descobre que tem uma doença aos 89 anos, você não pode achar que ela deveria ter morrido no nascimento. O Temer foi vice da Dilma porque o Temer era o presidente do partido mais importante do ponto de vista da quantidade de pessoas no Congresso. A Dilma foi com o Temer de vice porque a Dilma não era conhecida e precisava de tempo de televisão. Ninguém acusou o Temer de ser o que ele era, ninguém acusou o Temer de traíra.
É importante você ter a clareza que nem Temer, nem a turma dele me apoiaram.
No segundo mandato, a Dilma não precisaria do Temer. Eu tinha um projeto. Conversei com o Eduardo Campos, em julho de 2011, em Bogotá. Disse que eu achava que ele deveria ser candidato a vice da Dilma em 2014, para que fosse candidato a presidente em 2018. Achava que o Eduardo Campos tinha concordado. Estávamos eu, ele, a Renata, esposa dele. Foi uma bela de uma conversa, tomamos uns bons uísques e conversamos. Depois, não sei porque houve uma cisão entre ele a Dilma e aí não deu certo. Mas a Dilma não precisava mais do PMDB no segundo mandato, porque a Dilma já era muito conhecida. Lamentavelmente foi mantida a mesma chapa para a desgraça do PT, para a desgraça da Dilma, para a desgraça do país.
O senhor permite a renovação do PT?
O que seria essa renovação para você?
Uma passagem de bastão. Qual o líder do PT com menos de 40 anos que tem voz ativa no partido hoje?
Se você assistir a uma reunião do partido, vai perceber que temos cota da juventude, de mulher, de negro. Nós temos secretaria de LGBT. Nós somos o partido mais atualizado que existe no mundo. Veja se tem algum partido que produz a quantidade de material cultural que a fundação do PT produz. Muitas vezes o PT é criticado pelas coisas boas que ele fez. Você sabe qual é a razão pela qual eu achei que a Marta Suplicy perdeu as eleições para o Kassab, para o Serra? Pelo que ela fez. Você não tem noção dos efeitos dos CEUs [Centros Educacionais Unificados] que a Marta criou. Levar políticas públicas, como aquela, com aula com computador, piscina, cinema, teatro para crianças pobres da favela. Você não tem noção do repúdio que um setor da classe média passou a ter da Marta porque ela estava levando coisa para os pobres que não poderia levar.
O senhor convidaria Marta Suplicy a retornar ao PT?
Eu não queria que ela saísse do PT. Sinceramente, não gostei de a Marta sair do PT, eu tenho uma boa relação com a Marta. Uma boa relação não só política, mas relação de gratidão. Durante muito tempo, o PT se reunia na casa do Eduardo Suplicy. E a Marta, que não tinha nada conosco, suportou o PT durante muito tempo na casa dela. Da mesma forma que ela saiu, pode voltar a conversar com o PT. Erundina saiu do PT, depois voltou, depois saiu. O partido político não tem um cadeado na porta, tem compromisso ideológico. Se a Marta quiser, deve voltar, ela tem relação com todo mundo e ainda continua sendo a prefeita mais bem avaliada de São Paulo. Não sei o que a Marta quer, mas eu não confundo minha relação pessoal com a minha relação da política.
Se estiver apto politicamente, o senhor aceitaria ser candidato a vice-presidente da República em 2022, como a Cristina Kirchner na Argentina?
[Risos] Estou disposto a não ser candidato a nada na minha vida. Já fui presidente da República. O problema é que essas perguntas, que são bem feitas e que são de boa-fé, muitas vezes serão interpretadas também de forma negativa. Aceito ser cabo eleitoral, a depender das circunstâncias políticas. É muito difícil num país que tem um partido como o PT você achar que ele não terá candidato a presidente da República. É muito difícil. Era como se você tivesse um time do Santos e você deixasse o Pelé no banco de reservas. Ora, se as circunstâncias caminharem para que haja uma aliança no primeiro turno, o que acho uma bobagem porque briguei muito para ter a eleição em dois turnos. Porque era a chance de você poder se apresentar e dizer “eu existo” e se submeter à votação do povo. Foi muito importante o Boulos ter sido candidato. Ele é jovem, foi candidato, não teve muito voto, não tem problema, colocou a cara dele, já ficou mais conhecido. Se ele for em outra eleição, vai ficar mais conhecido. Até ele ganhar o pedigree político para receber voto, leva um tempo.
Então essa frente ampla da esquerda mesmo só no primeiro turno…
Mas a frente ampla pode-se construir no primeiro turno, no segundo turno, porque não tem tanta gente ampla assim para a fazer aliança. Quando deixei a Presidência, fui até o Uruguai conversar com Tabaré [Vásquez, atual presidente do Uruguai], conversar com Pepe Mujica [ex-presidente do Uruguai], para ver o exemplo da Frente Ampla deles. Aquilo levou tempo para construir. Não é uma coisa simples. Por que a direita se reúne com facilidade? Porque a direita não tem princípio. O acordo é só para eleger o cara.
No primeiro turno então o PT terá candidato em 2022?
Se você avaliar a dimensão dos partidos políticos, só o PT tem o direito de ter candidato no primeiro turno —teoricamente. Isso não significa que vai ter, mas se você avaliar a pujança do partido, o tamanho, a grandeza e o histórico… Você já jogou bola? O jogador melhor é aquele que tira par ou ímpar para escolher. Em se tratando de campanha eleitoral, o PT sempre será o primeiro a ser escolhido. O PT pode não querer.
Durante seu governo foi fechado um acordo com o Vaticano, que incluiu na época, a previsão do ensino religioso católico em escolas públicas. No governo Dilma, foram feitas concessões a setores da bancada evangélica, como a suspensão do material didático contra homofobia [chamado pejorativamente de “kit gay”] e de material de prevenção ao HIV/Aids e à gravidez de adolescentes. Essas concessões feitas durante os governos do PT não pavimentaram um caminho para algumas das ações obscurantistas que a gente vive hoje?
Primeiro, defendo publicamente o acordo que o Estado brasileiro fez com o Vaticano. Foi uma proposta construída dentro do Itamaraty, com o apoio da Presidência da República, muito digna da relação entre dois Estados. E eu não fiz nenhuma concessão para nenhum pastor e para nenhum bispo. Ou seja, eu sempre tratei o Estado brasileiro com a definição de que é um Estado laico e o Brasil tem que estar aberto para todas as religiões.
Mas o governo da presidente Dilma…
Eu não acredito que Dilma fez acordo. Quando as pessoas falavam que a Dilma fez um acordo sobre Edir Macedo para falar bem dela, a Record é quem mais batia na Dilma. Eu quero que essa gente professe a fé que eles têm, professe o que está na Bíblia. Se quiserem transformar a seita deles em partido político, está errado. O Brasil está caminhando para uma coisa absurda.
Ouvi o presidente Bolsonaro dizendo que quer um ministro da Suprema Corte verdadeiramente evangélico. Você não escolhe um ministro da Suprema Corte por ele ser católico, ser corintiano, ser da Igreja Universal, da Igreja Batista, da Assembleia de Deus.
Nunca perguntei para nenhum que indiquei que religião que ele professava, que time ele torcia. Eu queria saber do currículo dele, consultava pessoas.
Durante seu governo foi sancionada a Lei de Drogas, em 2006, e durante a gestão do PT a população carcerária aumentou muito, em parte por causa da aplicação dessa lei. Foi um erro da sua gestão?
Se foi um erro, só tenho que pedir desculpas pelo erro cometido. Mas, veja, que foi uma lei surgida na conferência nacional e que depois foi debatida no Congresso Nacional, que chegou na minha mesa, com a aprovação de todos os líderes também da época. Houve erro? É preciso ser corrigido. Eu sempre disse publicamente que você não pode tratar o usuário como o traficante. O cidadão que está fumando um baseado, o cidadão que cheira uma carreirinha, esse cidadão tem que ter um tratamento. Não pode prender um cara desse, tratando como se fosse um traficante. Não pode tratar como o agente que levou 39 quilos dentro do avião de apoio ao presidente Bolsonaro, que, aliás, não sei o que foi feito ainda disso.
Mas o senhor está satisfeito com sua política de segurança pública? Por que aumentou a taxa de homicídio durante os governos do PT?
Nós fizemos na época o que havia de consenso da sociedade a respeito. Se naquele momento as instâncias decidiram equivocadamente, é importante lembrar, nunca se gerou uma sociedade com espírito tão otimista quanto no meu governo.
O cacique caiapó Raoni criticou a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Afirmou: “nossa luta contra Bolsonaro é a mesma que fizemos contra Lula e Dilma. Todos eles, De Lula a Bolsonaro, geram essa divisão entre o índio e governo”. Essa é uma crítica também de outros grupos indígenas aos governos do PT. O que poderia ter sido diferente?
Eu duvido que em algum momento da história da construção das hidrelétricas uma discussão envolveu tanta gente como envolveu a discussão da questão de Belo Monte. Muito índio, muito ribeirinho, muita gente do MAB [Movimentos dos Atingidos por Barragens], muita gente da cidade. Foram mais de 5.000 pessoas que participaram. Foi criado um Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, que tinha R$ 500 milhões para ajudar as pessoas. Você vai perceber que foi garantida a integralidade de 12 territórios, uma área e 11 terras ocupadas pelas populações indígenas do Médio Xingu (…). Certamente o companheiro Raoni, por quem eu tenho profundo respeito desde os anos 80, pode não ter concordado. Mas o fato concreto é que tudo o que foi feito foi aprovado nas instâncias por maioria. Sempre vai haver os críticos às hidrelétricas. Eu acho que o Brasil, na medida em que for avançando, vai fazer mais eólica, vai fazer mais solar, vai fazer mais biomassa.
Há a reclamação por parte de movimentos indígenas de que os governos do PT não deram a atenção que deveria ter sido dada a eles. De que a ex-presidente Dilma só recebeu lideranças indígenas na reta final de seu governo, enquanto recebia lideranças ruralistas no Palácio do Planalto.
Duvido que você encontre na literatura dos presidentes da República deste país, desde Marechal Deodoro, alguém que tratou tanto e com tanta decência as coisas dos índios. Duvido que você tenha encontrado alguém que tenha se dedicado tanto a achar saídas… Cheguei a propor aos governadores do Mato Grosso do Sul que, se fosse o caso, comprassem fazenda para que a gente pudesse assentar os guaranis. O Lula está preso aqui, mas você pode conversar com a ministra do Meio Ambiente, a presidenta do Ibama, com a Marina, com o [Carlos] Minc, você pode conversar com as pessoas. Se tem uma coisa que no meu governo não faltou foi diálogo com todas as comunidades, com todas, sem distinção. Obviamente que algumas concordavam, outras não concordavam.
Eu não sei o que vou fazer quando eu sair daqui, mas eu tinha vontade de voltar ao Xingu, a Belo Monte, eu não conheci Belo Monte. Eu fui lá fazer um debate, mostrar que seria um bem para o desenvolvimento. Se você tem, depois de anos, a informação de que a coisa está desandando lá em Altamira, eu disse isso numa entrevista, é preciso ver o que está acontecendo agora. Se estas pessoas estão cumprindo o acordo feito em 2009, se as pessoas estão cumprindo todas as determinações. Então o que proponho para você é que poderia, até para me ajudar, a procurar os ministros que fizeram o acordo na época e pedir a eles irem junto com você para lá para saber o que não está sendo cumprido.
Entre 2011 e 2012, houve protestos de operários da construção civil em algumas das grandes obras do PAC, como no caso do canteiro de obras da usina de Jirau, que o pessoal queimou. Tivemos problemas na usina de Santo Antônio, em Belo Monte. Os protestos são sinal de que o PT perdeu contato com parte da classe trabalhadora?
Desse mal ninguém pode me acusar. Quando fomos fazer Santo Antônio e Jirau, uma das coisas que se discutiu era a tentativa de evitar que você trouxesse muita gente de fora e criasse canteiros com milhares de pessoas em condições desumanas. Fora da família, fora da mulher, dormir em barracão, por mais confortável que fosse o barracão. E havia uma ideia de que poder-se-ia – imagina você escrever “Lula disse poder-se-ia” – a ideia era contratar as pessoas de Porto Velho, mas não havia tanta gente assim. Quando você coloca 30 mil homens juntos, dormindo num barracão, parando de trabalhar cinco horas da tarde, ficando fazendo sabe o quê… Porque não tem cinema, não tem teatro, não tem namorada, não tem nada. Ou seja, só pode dar bobagem e você sabe quem foi fazer o acordo com o conflito porque tocaram fogo nos barracões? Foi Gilberto Carvalho [secretário-geral da Presidência da República] e o [José Lopez] Feijó, que era vice-presidente da CUT. Então foi o governo tentar encontrar uma solução e encontraram uma solução para os trabalhadores. Eu convivi numa Volkswagen com 40 mil trabalhadores. É muito complicado. Mas foi contornado pelo próprio governo.
Mesmo depois do compromisso firmado para a melhoria das condições da construção civil continuaram ocorrendo problemas. O senhor não acha que o PAC, do jeito que foi estruturado, visando ao crescimento, não acabou deixando de lado o mais frágil, o trabalhador?
O governo fez as obras do PAC, exigia que ele contratasse o trabalhador da região. Foi assim em várias favelas, vários lugares. Quando você coloca 30, 40 mil pessoas junto, ninguém segura. E as empresas sabem que fizeram bobagem e depois quem foi reparar as bobagens foi a Central Única dos Trabalhadores, através do Feijó. E foi Gilberto Carvalho. Ora se uma empresa contrata um trabalhador e tem um conflito trabalhista, a culpa não é do governo. A culpa é de quem não cumpriu as regras trabalhistas existentes no Brasil. E se os empresários não cumpriram, tinha que ter greve mesmo, tem que ter paralisação. Eu acho isso muito bom. Você tem um presidente da República que nunca achou ruim que houvesse greve. Porque eu acho que a greve é um direito elementar.
O senhor afirmou reiteradas vezes que PF, Moro e Dallagnol mentiram. Mas, revendo a relação que estabeleceu com as empreiteiras, as obras que foram feitas no sítio da família Bittar, não há nada que diga “poderia ter agido diferente”? Até mesmo em relação ao esquema de corrupção na Petrobras, o senhor como presidente da República não poderia ter dado uma atenção a isso?
Uma coisa que não está sendo julgada é o meu comportamento. Fui o presidente que mais conversei com empresários, que mais levei empresário para viajar o Brasil e fora do Brasil. Eu tinha prazer de fazer com que as empresas brasileiras virassem multinacionais. Estou sendo acusado de ter um apartamento tríplex. Um processo que está com mais de 300 mil páginas precisava apenas de um documento de cartório [dizendo] “o Lula comprou, é dele”. O que não pode são os canalhas mentirem. O apartamento não é meu! O que tenho lá é uma cota que, aliás, acabei de ganhar o processo e a Bancoop vai ter que devolver o dinheiro que a Marisa pagou. Então, veja, não estou julgando a Lava Jato pelo todo. Se bem que eu acho que a Lava Jato enveredou pelo caminho imoral de subordinar toda e qualquer investigação à imprensa —quando você ia fazer um inquérito na Polícia Federal, quando você acabava de virar as costas, o teu depoimento já estava na imprensa.
Eu vou fazer um comentário sobre Ciro Gomes porque ontem ele fez mais uma grosseria. Gostaria de entender o que está se passando na cabeça do Ciro.
O senhor acha que não fez nada para justificar essa atitude por parte de Ciro?
Uma das coisas que ele diz publicamente é que eu não deixei o PC do B se aliar a ele. Você acha que o jogador do São Paulo ia deixar o jogador do Corinthians marcar um gol, só para agradar o Corinthians?
Mas não são a mesma coisa, não é?
É que a analogia é mais fácil de o povo entender. O PT estava numa disputa, foi construir a sua aliança política e convenceu os outros partidos a vir junto. E o Ciro acha que o PT deveria ficar sentado e dizer “vai, todo mundo com Ciro, vai todo mundo com Ciro”? Mas que brincadeira que é essa? Ele que aprenda a entender que democracia é você conviver na diversidade, com as pessoas. Tem que conversar com os contrários. Toda vez que disputa uma eleição, procura um partido e entra. Não tem um perfil ideológico. De quantos partidos o Ciro já foi? Oito, nove, dez. Sei lá quantos. Ou seja, ele não gosta de compartilhar, de coletivizar as coisas. O PT não aceita isso.
Estou acompanhando o Ciro. Tem algumas pessoas que eu gosto de graça. Não precisam gostar de mim. Mário Covas, sempre gostei de graça. Nunca precisou gostar de mim. O Requião é um cara que gosto de graça. Eu gosto dele. O Ciro é um cara que gosto dele, mesmo sabendo de posições dele que não são recomendáveis com relação a mulher, com relação aos adversários, com relação ao PT.
Eu gosto do Ciro. Acho que ele é uma figura que tem conhecimento intelectual para contribuir com qualquer governo. Agora, o que ele precisa entender é que as outras pessoas, que não são tão inteligentes como ele, têm a sua própria inteligência. E precisa aprender a conviver com isso.
Assisti a um filme chamado “Central do Brasil”. Você já assistiu? Eu vi a Fernanda Montenegro tentando ajudar aquele menino. E aquele menino era nervoso, rebelde. Não queria ajuda da Fernanda Montenegro, e eu lembrei do Ciro. A Fernanda Montenegro, que escrevia a carta com muito cuidado e com muito carinho, conseguiu convencer o menino, levou o menino até a família e depois foi embora. Eu gostaria que o Ciro permitisse que eu fosse a Fernanda Montenegro dele. Sabe, que eu pudesse contribuir com o compartilhamento da convivência dele com as outras forças políticas. Ele não pode continuar atacando todo mundo. Ele, por exemplo, disse ontem que estou aqui numa suíte. Ele poderia vir para meu lugar um pouco.
Quando Deus fez o ser humano, ele fez a cabeça feita para a gente pensar, para ter juízo no que a gente fala. Então não pode achar que pode ofender todo mundo. Se quiser ter futuro político neste país, terá que tratar pessoas de outro jeito. Ser mais cordato. Ser mais amável, ser mais carinhoso. Ele é uma pessoa do coração bom. Eu já vi o Ciro chorar algumas vezes.
O senhor se arrepende do fato de os governos petistas terem se aproximado do Edir Macedo para enfraquecer a Globo e depois parte dos evangélicos terem contribuído para a derrota do Haddad?
Não é verdade que teve uma aproximação com Edir Macedo para brigar com a Globo. Você não viu isso no meu governo. O que nós fizemos – e foi uma pequena revolução, e poderíamos termos avançado mais – foi a criação da mídia técnica. E partimos de 300 meios de comunicação que recebiam dinheiro da Secom [Secretaria de Comunicação Social] para mais de 4.000 meios de comunicação. O que tive com eles, e não me arrependo de ter, foi uma relação republicana. Todos sabem que quando iam no Palácio para pedir dinheiro, eu não discutia dinheiro com eles.
Estou disposto a participar de qualquer debate. Não me recuso a discutir nenhum assunto. Vocês não perguntaram se “o PT não vai fazer autocrítica”. A tese que eu tenho sobre essas pessoas que querem que o PT faça autocrítica é que elas não têm crítica a fazer ao PT e quer que eu mesmo faça. Se eu mesmo for fazer crítica ao PT, por que precisa de oposição?
E o PT tem que se preparar. Vêm aí as eleições municipais.
Acho que o PT tem que ter candidato em todas as cidades importantes. Se não tem candidato, procure candidato porque o partido que não tiver candidato, não tiver tempo na televisão, não vai se defender.
E o PT tem muito o que falar na televisão para se defender e para dizer a verdade sobre o que está acontecendo no Brasil. Até porque nós temos que fazer uma grande campanha pela soberania nacional contra a entrega do patrimônio brasileiro.
Então o senhor acha que o PT não deve apoiar Marcelo Freixo, no Rio, nem Manuela D’Ávila, em Porto Alegre?
O PT pode apoiar quem quiser. Eu acho Freixo um grande candidato. Acho a Manuela uma grande candidata. Acho todo mundo um grande candidato. Mas o PT é muito grande. Só no Rio Grande do Sul, nós temos três ex-prefeitos [de Porto Alegre], um vice-governador e dois ex-governadores. [O PT] vai apoiar? Apoia, mas sabendo qual é a participação do PT na campanha. Onde o PT pode se defender? Onde o PT pode fazer discurso? Como o PT pode abrir mão de ter candidatura em São Paulo? Na maior cidade brasileira, onde o PT já governou três vezes. Governou com Haddad. Fez uma boa administração e perdemos no primeiro turno, para a escrotidão que fizeram com ele. Você sabe a escrotidão com que alguns meios de comunicação trataram o Haddad.
Eu pensava que as pessoas iam gostar do Haddad. Ele é tudo que eu não sou. Ele é advogado, economista, filósofo, grande, bonito. Mesmo assim, a imprensa bateu nele para cacete.
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