A tensão e divisão nos bastidores da 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em Aparecida (SP), se confirmaram com a divulgação dos nomes eleitos para presidência e secretaria-geral da entidade católica. Na segunda-feira (6), contrariando a previsão inicial, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG), foi anunciado como novo presidente da instituição pelos próximos quatro anos, mantendo a linha progressista e freando o avanço dos bispos conservadores. Ele substituirá o cardeal Sergio da Rocha, Arcebispo de Brasília.
Na manhã desta terça-feira (7), a CNBB anunciou que Dom Joel Portella – bispo auxiliar do Rio de Janeiro e de viés político conservador – será o próximo secretário-geral. O cargo deliberativo é o mais importante da entidade e pauta a agenda da instituição no dia a dia. A notícia não foi bem recebida entre os bispos progressistas.
Cabe ao secretário-geral cuidar da relação institucional da Igreja com as lideranças religiosas espalhadas pelo país e também coordenar as comissões formadas pela entidade. Porém, uma fonte de dentro da Igreja, em conversa com a reportagem do Brasil de Fato, afirmou que a Secretaria-Geral pode perder força na gestão de Dom Walmor: “Ele é centralizador”.
Portella é bispo auxiliar de Dom Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, considerado uma das vozes mais conservadoras da Igreja brasileira e que tinha seu nome cogitado para a presidência da CNBB até ser citado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, no âmbito da Operação Lava Jato.
“Não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a OS (Organização Social) da Igreja Católica, da Pró-Saúde. Não tenho dúvida. O Dom Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao Dom Orani, mas ele tinha interesse nisso”, afirmou Cabral à imprensa na época. A notícia fez ruir a candidatura do Arcebispo do Rio de Janeiro, que trabalhou para que seu auxiliar chegasse à Secretaria-Geral.
“Esse secretário eleito, desde o início era a candidatura defendida pelos conservadores. Por isso seja quem ele for pessoalmente, ele deve satisfação à força política que o colocou lá”, afirma uma fonte interna da Igreja, que está acompanhando a Assembleia da CNBB, mas que preferiu não ser identificado.
Para as duas vice-presidências, foram eleitos os bispos Jaime Spengler e Mário Antônio da Silva. O primeiro, Arcebispo de Porto Alegre, era apontado como o favorito entre os progressistas para assumir a presidência. O segundo, Arcebispo de Roraima, é reconhecido, também, pelo trabalho de acolhimento de refugiados venezuelanos que chegam ao Brasil.
Racha interno
Desde fevereiro, quando o veio a publico que o governo de Jair Bolsonaro (PSL), por meio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), investigava os bispos da CNBB e membros de outras entidades católicas – como as pastorais da Terra e Carcerária e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) –, o debate político passou a pautar a eleição para a presidência da mais importante entidade da Igreja Católica no país.
Tachado de “comunista” por Jair Bolsonaro, o Papa Francisco tem se encontrado com cardeais brasileiros para organizar o Sínodo sobre a Amazônia, que será realizado entre os dias 6 e 27 outubro deste ano, no Vaticano. A preocupação do Palácio do Planalto são as informações que os católicos brasileiros passarão ao mundo sobre como o governo atual trata as questões ambientais e mantém a relação com os indígenas.
Após a investigação ser revelada, o governo ficou exposto mas manteve o tom elevado com os bispos. "O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia. A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI [Gabinete de Segurança Institucional]. Vamos entrar a fundo nisso", afirmou, à época, o general Augusto Heleno, chefe do GSI.
O encontro do clérigo pode ter uma redação final comprometedora para o governo Bolsonaro e garantir a presidência da CNBB poderia abrandar o tom da comitiva brasileira no Vaticano durante o Sínodo. No último sábado (4), o Papa nomeou o bispo emérito de São Paulo, o cardeal Cláudio Hummes, como relator da Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica.
O caminho da CNBB será o diálogo
Eleito para presidir a CNBB até 2022, Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo de Belo Horizonte há quinze anos e, antes disso, foi bispo auxiliar de Salvador por seis anos. “Temos um longo caminho a percorrer de diálogos internos da igreja e da igreja com a sociedade”, afirmou o presidente.
Para Dom João Justino de Medeiros Silva, que foi auxiliar de Dom Walmor por cinco anos em Belo Horizonte, trata-se de um “conciliador” que aposta na conversa para solucionar os dilemas sociais. “Dom Walmor terá uma missão muito própria com o diálogo. As orientações que a CNBB deve seguir, são as da Igreja. Quando se fala da sociedade, a Igreja tem uma tradição de presença na sociedade, tem um corpo de doutrina social e o Papa Francisco é muito exigente com isso”, salienta.
Justino aponta que a relação da CNBB com Bolsonaro se manterá cordial, mas com cobranças sobre posicionamentos dissonantes com a postura da entidade católica. “No momento em que o governo ‘a’ ou ‘b’ tomar uma posição contrária ao que entendemos que é direito do povo e que são valores fundamentais da pessoa, Dom Walmor vai se posicionar e com ele toda a Igreja”, assevera.
Com o anúncio do presidente e dos dois vices, Justino aposta em quatro anos progressistas na entidade, com o acolhimento de pautas à esquerda. “Por essas três escolhas, fica bem claro que a CNBB está apostando numa presidência que terá uma palavra bastante firme em defesa do direito do povo brasileiro, incluso aí os indígenas e refugiados, mas fará isso chamando para o diálogo. Me parece que esse diálogo está muito frágil e tênue, é preciso reforçá-lo. O diálogo é o lugar de se dizer as verdades”, explica o religioso.
Edição: Rodrigo Chagas
Fonte: Brasil de Fato
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