O orçamento do governo federal, aprovado pelo Congresso em 2018 e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro,
prevê o investimento de R$ 415 milhões para o país se adaptar aos efeitos da
mudança climática.
Mas a utilização de 86% desse total, R$ 357 milhões, está paralisada,
pois o Ministério do Meio Ambiente, comandando por Ricardo Salles, ainda não
divulgou o plano de aplicação dos recursos – a legislação estabelece que isso
deveria ter sido feito até 17 de março. A pasta também não deu posse ao
conselho que precisa aprovar esse plano.
Esses recursos fazem parte do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima,
criado em 2009 para apoiar projetos para reduzir a emissão de gases que causam
efeito estufa e para adaptação do país para os efeitos da mudança climática,
com falta de água em regiões do semiárido.
No ano passado, R$ 392 milhões foram liquidados (comprometidos com o
projeto) até dezembro. O plano de investimentos previa aplicação,
principalmente, em projetos que reduzissem a emissão de poluentes no transporte
coletivo e que estimulassem a adoção de sistemas de energia renovável.
“Quando a gente vê o que
está acontecendo no Brasil, a grande quantidade de eventos climáticos extremos,
fica muito claro que é urgente a necessidade de se adaptar”, avalia Renata
Camargo, representante da Organização Não Governamental WWF no conselho gestor
do Fundo Clima em 2017 e 2018. “O Fundo Clima é necessário justamente para
financiar esses projetos de redução da vulnerabilidade em lugares mais
sensíveis a essas mudanças.”
Pesquisador da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e
representante da comunidade científica no comitê gestor em 2017 e 2018,
Giampaolo Pellegrino ressalta a importância do fundo também para a pesquisa científica.
“Mesmo quando os projetos apoiados não eram especificamente de pesquisa
científica, esse sempre era um componente que nós analisávamos nas propostas
apresentadas, mesmo nas mais práticas, que foram as priorizadas no último
biênio."
O G1 questionou a pasta
sobre o atraso na nomeação do novo comitê, e o ritmo de aplicação dos recursos
para combate às mudanças climáticas na terça-feira (30). Após diversas
tentativas de contato, a pasta não comentou.
Na terça-feira (30), o Ministério do Meio Ambiente chegou a enviar nota
ao G1 que tratava, entre outros
assuntos, do próximo encontro do comitê gestor. Entretanto, na noite de
quinta-feira (2), a assessoria de comunicação do órgão informou, por telefone,
que a nota anterior estava em revisão e não poderia mais ser divulgada.
Na noite de sexta (3), em nota, o ministério informou que "a
composição e as regras de funcionamento (do comitê) serão revisadas, de modo a
empenhar mais recursos em ações concretas ao invés de seminários, estudos e
palestras”.
Reunião
cancelada
O decreto que define as regras para aplicação dos recursos do Fundo
Clima (9.578/2018) determina que o Ministério do Meio Ambiente apresente o
plano de aplicação do dinheiro até 2 meses após a publicação da Lei
Orçamentária Anual. Neste ano, o orçamento foi publicado em 16 de janeiro –
logo, o plano do Fundo Clima deveria ter sido publicado em meados de março.
Antes disso, o plano precisa passar pelo crivo do comitê gestor do Fundo
Clima, que é renovado a cada dois anos. Fazem parte do comitê os titulares de
dez ministérios, além do secretário de Agricultura Familiar e Desenvolvimento
Agrário da Casa Civil.
A sociedade civil é representada por membros dos seguintes segmentos:
·
comunidade científica
·
setor industrial
·
setor rural
·
ONGs de meio ambiente
·
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
·
trabalhadores rurais e urbanos
O comitê, entretanto, não se reúne desde novembro do ano passado, e
sequer seus integrantes para 2019 foram nomeados pelo Ministério do Meio
Ambiente.
Os membros da sociedade civil são indicados pelo Fórum Brasileiro
de Mudanças Climáticas. Representante órgão no comitê do Fundo Clima, Alfredo
Sirkis diz ter recebido em 19 de fevereiro um pedido do ministério para
apresentar suas indicações, e convocando uma reunião para 20 de março.
Sirkis diz ter entregue a lista de indicações em 7 de março. Mas,
diz que, poucos dias depois, o ministério cancelou a reunião. O Ministério do
Meio Ambiente foi questionado, mas não confirmou a informação nem informou o
motivo do cancelamento.
"Não tenho nenhuma
informação precisa de que o grupo acabou, mas, na prática, está completamente
paralisado”, afirma Sirkis.
“A gente viu o decreto que extingue os colegiados [publicado em abril, e
que extinguiu uma série de conselhos] e a gente imagina que esteja extinto o
nosso grupo. É uma interpretação que fizemos do decreto”, completa.
O ministério, inicialmente, afirmou em nota que a medida, que ficou conhecida como
"revogaço", não teve influência, pois afeta apenas os
colegiados criados por decreto e não por lei, como é o caso do comitê gestor do
fundo do clima. Mais tarde, a pasta disse que a nota continha erros e não
enviou nova resposta.
No ano passado, o calendário de reuniões do grupo foi anunciado em 26 de
fevereiro no Diário Oficial. O primeiro encontro ocorreu em 20 de março.
Esgotamento de recursos
A maior parte dos recursos do Fundo Clima é formada por empréstimos com
juros subsidiados oferecidos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Neste ano, eles correspondem a R$ 349 milhões dos
R$ 357 milhões do fundo.
No site do BNDES há uma mensagem informando que os pedidos de
financiamento para o Fundo Clima estão suspensos “em razão do comprometimento
total dos recursos disponíveis”. A exceção é o subprograma Máquinas e
Equipamentos Eficientes, que financia máquinas com maiores índices de
eficiência energética ou que contribuam para a redução de emissão de gases do
efeito estufa.
Site
do BNDES informa que empréstimos do Fundo Clima estão suspensos — Foto:
Divulgação
Os R$ 8 milhões restantes são aplicados diretamente pelo Ministério do
Meio Ambiente em projetos de ONGs, prefeituras ou entes governamentais, como
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Embrapa e
Marinha do Brasil.
Como o dinheiro é distribuído
A aplicação de recursos do Fundo Clima, segundo decreto, deve obedecer
os seguintes passos:
1. No início de cada
ano, o Ministério do Meio Ambiente elabora uma proposta orçamentária e um Plano
Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) que determina as diretrizes dos projetos
a serem apoiados pelo fundo.
2. O comitê gestor do
Fundo Clima se reúne para aprovar a proposta e o plano.
3. Os recursos não
reembolsáveis, que constituem investimento direto, são direcionados a projetos
ambientais por meio de edital. Em 2018, apenas prefeituras puderam participar
da seleção, feita em parceria com outra unidade do ministério, o Fundo Nacional
do Meio Ambiente (FNMA). O comitê gestor aprova a lista de projetos que
receberão investimento direto.
4. Os recursos
reembolsáveis, ou seja, os empréstimos do BNDES, são destinados a pessoas
jurídicas ou físicas que solicitam financiamento do programa Fundo Clima. As
propostas passam pelo comitê de crédito e pela área de análises técnicas do
banco. O comitê gestor do Fundo Clima não interfere na concessão de crédito do
BNDES.
5.
No final do ano, o Ministério do Meio Ambiente apresenta ao comitê
gestor relatórios financeiros e de gestão do Fundo Clima para aprovação do
grupo.
Projetos apoiados
No ano passado, o investimento direto do Fundo Clima foi
direcionado para municípios em situação de vulnerabilidade, de acordo com as
diretrizes aprovadas pelo comitê no começo do ano.
O edital tinha previsão de investimento de R$ 6,6 milhões.
O critério para determinar as cidades aptas a participar do edital
foi um ranking de vulnerabilidade desenvolvido pela pasta em parceria com a WWF
e o Ministério da Integração Nacional. As propostas poderiam ter custo entre R$
200 mil e R$ 500 mil e prazo de execução de até 36 meses.
No total, foram recebidas 205 propostas. O resultado do edital,
publicado em novembro, mostra que foram contemplados 14 municípios, todos na
região Nordeste.
Em Piraí do Norte, cidade baiana em primeiro lugar na seleção, a
proposta vencedora prevê a construção de um mecanismo de captação de água de
chuva e de sistemas agroflorestais nos quintais de famílias de baixa renda.
Já os empréstimos do Fundo Clima, intermediados pelo BNDES, são
destinados principalmente para empresas e pessoas físicas. Do total, 37% dos
financiamentos contratados foram para projetos de mobilidade urbana e 34% para
o desenvolvimento de energias renováveis, segundo os dados do plano de
aplicação de recursos do Fundo Clima para 2018.
Em 2018 os maiores empréstimos do Fundo Clima concedidos pelo
BNDES foram para a compra de máquinas menos poluentes em indústrias ou para a
instalação de sistema de energia renovável no agronegócio.
Também foram apoiados pelo banco projetos de sustentabilidade
desenvolvidos por pequenos comerciantes, especialmente para a geração de
energia elétrica.
Em 2019, já foram solicitados 425 empréstimos no programa Fundo
Clima totalizando R$ 40,9 milhões. Por conta do sigilo legal de projetos em
análise, o banco não informa dados sobre estes.
Fonte: G1
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