O Ministério da Saúde divulgou nesta quarta-feira (20) o novo protocolo que libera no Sistema Único de Saúde (SUS) o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina até para casos leves de Covid-19. Até então, o protocolo previa os remédios para casos graves.
Questionado sobre a atitude do governo brasileiro, o diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, afirmou que “nesse momento a cloroquina e a hidroxicloroquina não foram identificadas como eficazes para o tratamento da covid-19”.
“Nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina têm sido efetivas no tratamento da Covid-19 ou nas profilaxias contra a infecção pela doença. (…) Nós temos agora ensaios (clínicos – pesquisas) do Solidarity (iniciativa internacional em busca de tratamentos para a Covid-19) em vários países, nos quais a cloroquina e a hidroxicloroquina estão incluídas. Como OMS, nós recomendamos que, para a Covid-19, essas drogas sejam reservadas para uso dentro desses ensaios”, disse Michael Ryan.
Julio Croda, infectologista da Fiocruz, e ex-diretor do Departamento de Imunização do Ministério da Saúde na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta também se posicionou:
“O protocolo é uma armadilha para o médico que está na linha de frente [de combate à pandemia]. Haverá pressão popular para a prescrição do medicamento pelo médico, mas o próprio ministério condiciona a uma série de medidas, que não tem como aplicar no dia a dia, como o monitoramento eletrocardiográfico. O protocolo também é diferente do parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), que fala sobre o uso em casos confirmados — o Ministério da Saúde não explicita isso”, afirmou.
“O que vai acontecer é que muitos médicos vão prescrever indiscriminadamente, não vão se atentar à nota publicada no protocolo do Ministério da Saúde ou à recomendação do CFM para usar em casos confirmados, e depois que o paciente tiver um problema associado ao medicamento, o médico poderá ser responsabilizado legalmente porque não está de acordo com o CFM, nem com o protocolo do Ministério da Saúde. Não é uma droga para ser usada na suspeita de um caso, nem pela população. Minha preocupação maior é que esta droga não tem evidências científicas e há literatura que inclusive condena o uso”, acrescentou.
Veja o que dizem outros especialistas:
Natália Pasternak, bióloga PhD com pós-doutorado em Microbiologia: “A gente tem inúmeros trabalhos mostrando que a hidroxicloroquina não é eficiente no tratamento em nenhuma etapa da Covid-19. Essa mudança de protocolo vai trazer um uso precoce do medicamento sem nenhuma fundamentação científica. Nós temos trabalhos em modelo animal, e é assim que se testa um medicamento. Devido ao hype e à pressão da população pela droga, as pessoas começaram a testar em humanos, e foi passada uma impressão errada de que o medicamento pudesse funcionar. Primeiro testaram em células, células genéricas, uma linhagem fácil de manipular em laboratório, e funcionou a cloroquina, mas isso não quer dizer que funcionaria em outras células e em animais. E foi exatamente isso que os outros testes mostraram: que não funciona. Você passa a testar em animais e a hidroxicloroquina não funciona. Inclusive, quando passa a ser usada em animais ela aumentou a replicação [do coronavírus]. Também testaram em células-alvo, células do trato respiratório, e também não funcionou. Foi testado em macacos, camundongos, em todos os estágios da doença. Não foi capaz de reduzir a carga viral”.
Wladimir Queiroz, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI): “A adoção da cloroquina é uma decisão política tomada por pessoas que não são médicas. Sou médico desde a época em que surgiram as primeiras infecções por HIV e naquele momento muitas pessoas falavam o que vinha à cabeça. Usavam um medicamento que deu certo em um paciente e já achavam que daria certo para todos. Mas quem está lidando com os pacientes de Covid-19 sabe que tem pessoas que vão muito bem contra a doença e outras que vão muito mal, independente do medicamento. Atribuir [a cura da Covid-19] a uma droga tão antiga, cujo mecanismo de ação e efeito biológico são tão diferentes, não tem o menor sentido.”
Cloroquina pode matar
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou nota na qual declarou que o uso da cloroquina contra a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, “não apenas carece de evidência científica” como é “perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado”.
Segundo a nota, o uso do medicamento para tratar a Covid-19 “vem na contramão de toda a experiência mundial e científica com esta pandemia.” A cloroquina é normalmente utilizada para tratar malária e doenças autoimunes, como lúpus.
Na nota, a SBI frisa que o medicamento é contraindicado mesmo em casos leves de Covid-19 (que estudos feitos em outros países apontam ser 80% dos casos da doença).
“Uma das principais críticas em relação aos estudos referidos anteriormente é que muitos dos pacientes avaliados estavam em estado grave quando receberam esses fármacos”, considera a nota.
A entidade cita um estudo feito com 150 pacientes, divididos em dois grupos: um recebeu hidroxicloroquina e o outro, não. A pesquisa, diz a SBI, apontou que “não houve diferença quanto à evolução dos pacientes que usaram ou não esse fármaco, mas vários efeitos adversos relacionados ao uso de hidroxicloroquina foram relatados nos pacientes em uso desse medicamento”.
Um coquetel à base de cloroquina matou o jornalista Renan Antunes em Florianópolis (relembre aqui).
Fonte: Pragmatismo Político
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