Em 22 de abril, quando o Brasil contava com 46.195 pessoas contaminadas pelo Covid-19 e havia enterrado, oficialmente, ao final daquele dia, 2.924 mortos, o presidente Jair Bolsonaro marcou com seu ministério uma reunião histórica. Queria discutir ali os rumos para uma retomada do governo, já então afundado pelo negacionismo, mas se recusando a tratar da saúde do povo brasileiro em meio a um cenário econômico devastador. Nascia para logo morrer o programa Pró-Brasil, um esforço do Planalto para retomar o papel do Estado.
Um mês depois, nesta sexta-feira, 22 de maio, o Brasil assistiu pela televisão e pela imprensa aos bastidores dessa reunião ministerial, com a divulgação, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, dos principais trechos do encontro palaciano. Ali, percebe-se um presidente transtornado pela queda de popularidade, com medo de afundar no desgoverno, cercado de ministros bajuladores, mergulhado em paranóia e temeroso da força de opositores.
Aos palavrões, dando berros e soltando broncas, Bolsonaro desnuda sua administração. É chefe de um governo perdido e derrotado. Seus auxiliares estavam mais preocupados em agradá-lo. Nas quase duas horas de reunião que vieram a público agora, não há nenhuma palavra sobre um plano para enfrentar a pandemia do coronavírus. “O grande ausente da reunião é o Covid-19”, destaca o senador Jaques Wagner (PT-BA).
Suspeitas confirmadas
Apesar disso, a reunião tem um mérito. Confirma as suspeitas que pesam contra Bolsonaro, acusado de querer interferir ilegalmente sobre órgãos de Estado. Como num filme de gângsteres, Bolsonaro foi acusado pelo seu braço direito e colaborador de primeira hora, o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. O algoz de Luiz Inácio Lula da Silva, que condenou e prendeu o ex-presidente, sem provas, tirando-o da disputa presidencial, acusou o chefe de querer mudar a Polícia Federal para enterrar uma investigação contra a sua família. Um crime, sujeito à perda do mandato.
A confissão está cristalina, gravada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. E é dita pelo próprio Bolsonaro. “É putaria o tempo todo para me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa, oficialmente, e não consegui. Isso acabou”, reclamou o presidente. “Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigos meus, porque não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha — que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.
Os indícios de crime de responsabilidade cometidos pelo presidente da República estão comprovados. Ele, de fato, não apenas confessou que queria interferir na Polícia Federal, como cumpriu a promessa. No dia 24 de abril, Sérgio Moro descobriu que o presidente havia exonerado o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e, naquele mesmo dia, anunciaria a sua demissão do Ministério da Justiça. Resumindo: Bolsonaro não apenas trocou o Superintendente da Polícia Federal no Rio, como também o diretor-geral da PF e o próprio ministro da Justiça.
Impeachment é o caminho
A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o vídeo da reunião ministerial escancarou o despreparo de Bolsonaro para estar à frente da Chefia do Estado Brasileiro. “Esse homem não tem condições de ser presidente da República. Mal educado, boca suja, desqualificado. Não tem preparo administrativo, político, humano. É agressão e briga o tempo inteiro. Proteção do povo, nada. Nenhuma fala sobre assegurar renda, emprego, vida”, desabafou. Gleisi acredita que o vídeo confirma que o país só terá saída para a crise em que se encontra com o impeachment de Bolsonaro.
Em nota, os líderes dos partidos de oposição também repudiam o episódio. “A reunião ministerial revela o baixo nível dos integrantes do atual governo. Como bárbaros, jogam a República no caos, desrespeitam as leis, as instituições e ignoram a Constituição”, criticam os deputados José Guimarães (PT-CE), que lidera a Minoria; André Figueiredo (PDT-CE), que comanda a Oposição; Alessandro Molon (PSB-RJ); Enio Verri (PT-PR); Perpétua Almeida (PCdoB-AC); Wolney Queiroz (PDT-PE); Fernanda Melchionna (PSOL-RS); e Joenia Wapichana (Rede-RR).
“O vídeo desfaz qualquer legitimidade do atual governo no comando dos destinos da Nação, pois escancara o desprezo à democracia, à vida e às conquistas civilizatórias do povo brasileiro”, continua a nota. “Ademais, indica a tentativa de formação de milícias em defesa de um projeto antinacional e antidemocrático”.
Adversários a abater
O choque dos palavrões e do tom desafiador de Bolsonaro, um traço de sua personalidade autoritária e paranóica, ficam escancarados no vídeo do encontro ministerial. Entre tantos impropérios ditos pelo presidente num encontro oficial no Palácio do Planalto, na mais vergonhosa reunião ministerial da história da República, alguns momentos mostram sua disposição de tratar adversários políticos como inimigos a serem abatidos. Agora sabe-se porque Bolsonaro defende com tanta veemência a distribuição de armas aos seus seguidores e milícias. Para garantir a força de sua vontade, como um chefete de uma republiqueta.
“Olha como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Por isso eu quero que o povo se arme, a garantia de que não vai aparecer um filho da puta e impor uma ditadura aqui. A bosta de um decreto, algema e bota todo mundo dentro de casa. Se ele estivesse armado, ia para rua. Se eu fosse ditador, eu armava como fizeram todos no passado. Um puta de um recado para esses bostas: estou armando o povo porque não quero uma ditadura, não da para segurar mais. Quem não aceita…”, ameaçou o presidente.
Ataques a governadores
Bolsonaro ainda atacou governadores de estado e prefeitos que vêm defendendo o isolamento social, medida que o presidente teme porque estaria impedindo a retomada da economia, um erro, já que o problema do país é o coronavírus, e não a disposição das autoridades públicas em barrar o contágio da doença. “O que os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade. O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso”, criticou.
A bronca ainda foi estendida aos prefeitos de algumas cidades, como o tucano Arthur Virgílio Neto (PSDB). “Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus agora, abrindo covas coletivas. Um bosta. Que quem não conhece a história dele, procura conhecer, que eu conheci dentro da Câmara, com ele do meu lado, né?”, disse Bolsonaro.
A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, também faz ameaças aos prefeitos e governadores. Na reunião, ela ameaça “pegar pesado” contra os administradores de cidades e estados que tomaram medidas mais rígidas de isolamento contra o coronavírus. “O nosso ministério já tomou iniciativa e nós tamos pedindo inclusive a prisão de alguns governadores”, afirmou. Nenhuma palavra de admoestação do presidente. Ou dos colegas do primeiro escalão do governo.
Ameaças ao Judiciário
O vídeo mostra ainda ataques até aos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal. Na reunião ministerial, Bolsonaro ouviu, calado, o ataque do ministro da Educação, Abraham Weintraub. “A gente tá perdendo a luta pela liberdade. É isso que o povo tá gritando. Não tá gritando para ter mais Estado, pra ter mais projetos, pra ter mais… O povo tá gritando por liberdade, ponto. Eu acho que é isso que a gente tá perdendo. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, atacou o ministro. Não ouviu nenhuma reprimenda do presidente da República.
Nem mesmo quando Weintraub disparou contra os políticos em geral e a própria capital da República. “Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio”, atacou o ministro da Educação. “Eu não quero ser escravo de Brasília. Eu tinha uma visão negativa de Brasília e vi que muito pior do que eu imaginava”, confessa. Também ali, não foi perturbado pelo presidente ou qualquer outro colega de ministério, nem mesmo do vice-presidente da República, General Hamilton Mourão.
Fonte: PT
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